Mais fotografia de Jazz (porque nunca podemos dar os nossos conhecimentos por completos)

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Dexter Gordon por Herman Leonard

É possível que o facto de saber tão pouco de fotografia me desautorize – pelo menos diante de alguns leitores – como autor de um blogue sobre o tema. Este é o lado negativo, aquele que o meu pessimismo me leva a encontrar em primeiro lugar.

Mas este blogue também pode ser lido – e é assim que, sinceramente, espero e desejo que o seja – como algo evolutivo, que seja a narração de uma aprendizagem. De facto, eu não quero que os leitores aprendam comigo – melhor dizendo: não pretendo ensiná-los. O que quero é que aprendam ao meu lado, como se fôssemos colegas de carteira na escola (se é que ainda existem «carteiras» nas escolas).

Isto vem a propósito de algo que escrevi antes: «é impossível escrever sobre fotografia e Jazz omitindo as fotografias que [W. Eugene] Smith fez de músicos de Jazz entre 1957 e 1965». No texto anterior àquele de onde retirei este excerto tinha aludido a Lee Friedlander, que também fotografou músicos de Jazz. Simplesmente, entre Lee Friedlander e as fotografias do loft de Smith há um espaço que só conheço parcialmente. É lá que estão as fotografias que Francis Wolff fez para a Blue Note, bem como as fotografias pouco assinaláveis de Paul Weller e Frank Driggs, mas há mais.

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Esta foi uma lacuna que descobri depois de decidir reler um livro que comprei quando o meu entusiasmo pelo Jazz havia atingido o seu pico, nos primeiros anos da década de 2000, e no qual peguei ontem, para reavivar o que havia lido há muito tempo sobre Charles Mingus. O livro chama-se Jazz Masters of the 50s (ed. Da Capo) e o seu autor é Joe Goldberg. Se estou a referir-me a esta obra no contexto da fotografia de Jazz, é porque a sua capa tem por fundo uma fotografia a preto-e-branco na qual figuram Paul Chambers (contrabaixo), John Coltrane (saxofone tenor) e Miles Davis (trompete). Três dos músicos de Jazz mais importantes de sempre, portanto. Só hoje me deu a curiosidade de saber quem era o autor dessa fotografia.

Nunca tinha ouvido falar dele – mas, sem que o suspeitasse (a fotografia da capa de Jazz Masters of the 50s é boa, mas nada de especial), é um dos maiores e melhores fotógrafos desta temática. O seu nome é Charles Stewart, embora se refira a ele mesmo, no seu website, como «Chuck» Stewart. As suas fotografias de Jazz merecem ser vistas. Sinto uma particular afeição por elas porque muitas são o oposto das fotografias acetinadas, de texturas suaves, que estamos habituados a ver: algumas das fotografias de Jazz de Chuck Stewart têm texturas rudes, que são contudo muito mais próximas da realidade das películas (e eu bem sei do que falo, habituado como estou aos Ilford). Curiosamente, de tudo o que vi de Chuck Stewart, o que mais gostei foi dos nus. Honi soit qui mal y pense: os nus de Stewart são de um grau de abstracção inesperado num autor que se dedicou essencialmente ao retratismo.

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Por Herman Leonard

As minhas descobertas não terminaram com Charles Stewart: ao percorrer a sua galeria de retratos de celebridades, deparei com um homem apoiando o peso do seu braço direito numa Rolleiflex. Era Herman Leonard. E como são grandiosas as fotografias de Jazz de Herman Leonard! Penso que posso afirmar, com algum grau de certeza, que ele foi o maior fotógrafo de Jazz. Maior que Francis Wolff, cuja fotografia nasceu da necessidade de conceber capas para a Blue Note; melhor que Lee Friedlander, que se ateve demasiado a fórmulas e às suas próprias idiossincrasias; maior que W. Eugene Smith? Digamos que mais especializado que Smith. A obra de Smith é esmagadoramente maior, mas neste particular da fotografia de Jazz, Leonard foi o melhor à custa da especialização.

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O que não significa que Herman Leonard se tivesse confinado ao Jazz. A sua fotografia que mais me impressionou não foi a de Dexter Gordon expelindo fumo do seu cigarro: foi o retrato de Martha Graham, a bailarina e coreógrafa. Se há um retrato que se aproxima da perfeição, é este.

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Ainda não acabei. Nenhum texto sobre fotografia de Jazz pode ficar completo sem menção à fotografia da capa do álbum de Jazz mais vendido de sempre: o estafado Kind of Blue, de Miles Davis (a quem admiro por ter passado a vida a romper fronteiras, ao invés de se conformar com o sucesso e se deixar envelhecer a alquebrar com ele). A fotografia é de uma celebridade chamada Jay Maisel. Um dos grandes fotógrafos do nosso tempo, e muito justamente reputado por esta fotografia, mas não era, de forma alguma – e nisto assemelha-se a W. Eugene Smith –, um fotógrafo do Jazz. Aliás, as suas fotografias de músicos de Jazz são uma parte ínfima da sua obra.

Como vêem, a fotografia é um longo caminho por desbravar. Quando pensamos que temos bons conhecimentos, surge sempre um acaso que nos torna conscientes da finitude do nosso saber. Nunca conhecerei todos os fotógrafos, mesmo que use critérios de selecção apertados; e muito menos conhecerei toda a sua obra. Devo partir desta consciência para descobrir novas fotografias e novos fotógrafos com olhos sempre renovados.

M. V. M.

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