Espero que compreendam que a rejeição do meu ensaio por todas as editoras perante as quais formulei uma proposta de edição me deixou triste e amargo. Mas também me deixou a pensar se valeu a pena. Aparentemente, não – mesmo se Fernando Pessoa pudesse retorquir que Tudo vale a pena/Quando a alma não é pequena. O meio jurídico nacional, que não nutre qualquer tipo de interesse pelo direito de autor, muito menos quer saber das questões jurídicas da fotografia. E o meio fotográfico também não parece interessar-se muito por fotografia, nem pelas questões jurídicas da fotografia: tive uma longa conversa com a responsável pela comunicação do Centro Português de Fotografia, a ver se conseguia apoio à divulgação do meu estudo no caso de este ser editado, mas descobri nela uma pessoa nitidamente a leste de todas estas questões: para esta economista, o meu pedido era rigorosamente igual ao de todos os que pediam a cedência de espaços para eventos. A tacanhez nacional no seu esplendor.
Não, não valeu a pena. Tenho no meu computador o produto de um ano de estudos completos e exaustivos que nunca verá os escaparates. Foi um ano que perdi estupidamente. Contudo, a falta de interesse pelo que eu faço, além de me fazer questionar se o que eu faço tem algum tipo de valor, faz-me também perguntar se vale a pena continuar a versar a fotografia (fora do campo do direito) e a fotografar.
Comecemos por aqui: fotografar toda a gente o faz. Desde que o digital descobriu como converter a luz em pixéis, a fotografia abastardou-se e estupidificou-se. É ver a figurinha que as pessoas fazem com as selfies e os rebanhos de turistas de telemóvel em riste a fotografar tudo o que vêem; ou ainda os que aplicam HDR numa fotografia banal e se consideram grandes artistas, e aqueles que se limitam a imitar o que outros fizeram antes deles. A fotografia atingiu o paradoxo – já devo ter escrito isto dezenas de vezes – de, nascendo para fixar momentos efémeros, se ter tornado ela mesma efémera. E esta sua nova natureza tornou-a olvidável e inútil. Para quê, então, interessar-me por fotografia ou fotografar?
Vistas assim as coisas, torna-se impossível atribuir qualquer sentido a um blogue sobre fotografia. Quanto mais não seja porque o público que lê sobre fotografia não está à espera de artigos sobre a fotografia enquanto arte, mas sobre tecnologia e equipamento. E eu, sobre isto, tenho pouco a dizer. O Número f/ não é um blogue de referência e, mesmo se conquistou um número considerável de seguidores, o número de leituras diárias não justifica o esforço.
Por tudo isto, não vale a pena continuar a escrever sobre fotografia. Este é o adeus do Número f/. Escrevi por gosto e tenho consciência de que escrevi textos interessantes, mas também escrevi muitos disparates, como resultado da minha inexperiência e do excesso de entusiasmo. (O que nunca tive consciência foi que os leitores da Internet têm uma mentalidade, digamos, «linear»; para eles não existe meio termo: ou se é a favor de algo ou se é contra. Se se escreve algo pouco elogioso sobre a Canon é porque se é um fanático da Nikon. Ou, como descobri recentemente, ao ler comentários num fórum de fotografia sobre um texto do Número f/, se me manifesto contra as manobras golpistas da CIA na América do Sul é porque sou um comunista e um fanático do Nicolás Maduro. Assim não é possível escrever sem estar sujeito a ser mal interpretado. Esta bipolaridade que existe na Internet resulta do fanatismo para que fomos empurrados depois do 11 de Setembro, o qual tem repercussões em todos os aspectos da nossa vida.)
Eu não quero escrever para ser lido por dez pessoas, como tem acontecido ultimamente. Não me interessa ter o blogue mais lido do planeta, mas interessa-me saber que não escrevo em vão. As tais dez pessoas rapidamente descobrirão outras maneiras de despender o tempo que dedicavam à leitura do Número f/. Certamente ninguém chorará o fim do Número f/, o qual morrerá em paz e, soterrado pela poeira do tempo, se tornará invisível e será rapidamente esquecido.
M. V. M.