A exposição

Rui Palha, sem título
Rui Palha (sem título)

Ontem esteve patente uma exposição de fotografias de Rui Palha aqui no Porto, mais concretamente na Colorfoto, que fica na Rua de Sá da Bandeira. Apesar de estar devidamente avisado do evento, via Facebook, e de saber que o próprio Rui Palha ia estar presente, só fui ver a exposição quando já era meio-dia e meia. Isto implicou que, além de mim, apenas estivesse na galeria um casal com uma criancinha. O casal parecia muito familiar com o local, como se fosse um anexo da sua casa, já que insistia em deixar a criancinha à solta e em tocar musiquinhas infantis no smartphone – o que gerou um ambiente extremamente propício para contemplar as fotografias expostas, claro está. (Eu sei que sou uma insignificância; não precisava de ter aquelas pessoazinhas a lembrar-mo.)

Quer dizer: perdi a oportunidade de conhecer Rui Palha pessoalmente, ele que é um fotógrafo por cuja obra nutro enorme admiração, e ainda por cima fiquei sujeito a ver as suas fotografias no que parecia ser um jardim infantil improvisado. Como não consigo exprimir o meu arrependimento por palavras, fica aqui uma imagem de como me senti por ter tido a burrice de ir demasiado tarde à exposição:

Poderão os leitores perguntar por que cheguei tão tarde à Colorfoto; pois bem – a primeira explicação está no facto de me ter parecido mais importante fazer fotografias do que ver fotografias. Ontem de manhã estavam finalmente boas condições para o surf, que é um tema pelo qual descobri uma fascinação estranha. Eu não sou surfista: não consigo imaginar-me a pôr-me de pé numa prancha em cima da água e muito menos a cavalgar ondas. Talvez conseguisse, se tentasse, mas nem sequer me proponho fazê-lo, por várias razões que não importa aqui discutir. Seja como for, descobri que as manhãs de surf na Praia de Matosinhos dão fotografias esplêndidas (além da oportunidade de conhecer umas bifas, como já relatei aqui…). O cenário é maravilhoso: o areal extenso presta-se a reflexos extremamente interessantes e a luz da manhã torna fácil obter silhuetas. O surf resulta muito bem em fotografia, especialmente quando se tem uma lente de 135mm capaz de uma nitidez monstruosa e se fotografa a preto-e-branco com rolos de 35mm. Acresce que queria experimentar o Ilford Pan F com aquela luz, o que veio a mostrar-se interessante: consegui fotografar com mais um f/stop do que em circunstâncias normais.

A outra explicação foi a de ter o receio de que Rui Palha estivesse rodeado de um séquito de aduladores. A sério: gostava muito de conhecer Rui Palha pessoalmente – essa ocasião há-de chegar, espero –, mas não com uma multidão à sua volta. Aconteceu o mesmo com a exposição de fotografias dos vencedores dos prémios Estação Imagem|Mora no Centro Português de Fotografia, há cerca de dois anos, em que António Pedrosa, vencedor do primeiro prémio, foi açambarcado por uns sujeitos façanhudos armados de DSLRs profissionais. Aparentemente, escusava de me ter preocupado com este problema, porque o mais provável é que tivesse estado muito pouca gente na exposição.

O pensamento de que pudesse ter estado pouca gente numa exposição de fotografias de Rui Palha – eu não sei dizer se isto realmente aconteceu, por ter chegado a uma hora em que qualquer pessoa com um pouco de bom senso estaria a preparar-se para almoçar – é verdadeiramente assustador. Espero que não tenha sido isso o que aconteceu, porque Rui Palha não o mereceria. As suas fotografias são excepcionais: presentemente, só (re)conheço um fotógrafo português melhor que Rui Palha; esse maior fotógrafo português vivo é Daniel Blaufuks. Contudo, se nos cingirmos à fotografia de rua, Rui Palha é indubitavelmente o mestre entre os portugueses. Está no mesmo nível que um Peter Turnley, embora tenha uma noção de perspectiva bem mais próxima dos meus ideais fotográficos que o americano. A sua obra é reconhecida internacionalmente – retirei a fotografia no topo do The Online Photographer, já que Michael C. Johnston a usou como exemplo de uma boa iluminação num dos seus textos –, mas o nosso atavismo lusitano é mesmo assim: levamos demasiado à letra o aforismo ninguém é profeta na sua terra.

Se tiver sido verdade que esteve pouca gente presente na exposição, isto confirma que a fotografia já não é vista como uma arte pela generalidade do público. E, se a arte já merece tão pouca audiência, a desqualificação da fotografia redu-la a um estatuto de quase confidencialidade. Vivemos, deste modo, num tempo em que o público está imerso na imbecilização trazida pelo Facebook, em que uma fotografia vazia, mas que grita pela atenção através de artifícios, goza de uma popularidade instantânea e se esquece ao fim de alguns segundos. O que é triste.

Devo, porém, ser um pouco menos negativo: a verdade é que a exposição estava montada com bom gosto e inteligência, a despeito de um espaço exíguo que obrigou a que as fotografias fossem em escasso número (mas também a uma selecção mais cuidadosa que, quanto a mim, foi muito bem conseguida). Estava claramente dividida em duas partes: uma de retrato social (chamemos-lhe assim) e outra de uma fotografia de rua que tem a assinatura intransmissível de Rui Palha, com as suas linhas fortes, contrastes extremos e os seus jogos com volumes manifestamente desequilibrados, mas que resultam em dinâmicas espectaculares. E as fotografias estavam maravilhosamente bem impressas, dando uma noção bem mais fiel dos tons do que aquele que se percebe num computador. Foi uma experiência única ver as fotografias de Rui Palha da maneira como devem ser apreciadas: no papel.

M. V. M.

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